A
violência contra profissionais do ensino nas instituições educacionais de Lages
não pode mais ser tolerada, assim se resume a conclusão dos debates resultantes
da audiência pública promovida pela Câmara Municipal sobre o tema e que contou
com grande público no Plenário Nereu Ramos no dia 20 de setembro.
Proponente da reunião, a presidente do Legislativo Lageano, Aida Hoffer (PSD) –
que fez carreira como professora – desafiou os sindicatos da área a iniciar
campanhas que fortaleçam esta discussão nos ambientes escolares e compilar
dados que retratem como se encontra a situação em Lages. A vereadora sugeriu
também a elaboração de um grupo de estudos com representantes da sociedade
civil organizada para propor políticas públicas que resgatem o respeito ao
professor.
“Precisamos
levantar com credibilidade dados que estão presentes diuturnamente em nossas
escolas e que possam subsidiar ações para inibir a violência nas escolas. (...)
Terá de ser um esforço de cada um, desta Mesa onde todos têm um envolvimento
com a educação, com os nobres colegas vereadores que firmam este compromisso.
Esta Casa precisa unir esforços para encontrar e servir de apoio para que este
trabalho inicie com mais força e mais veemência”, comentou Aida.
Brasil lidera ranking de violência contra professores
Primeira
a tomar a palavra na audiência, Aida Hoffer apresentou uma notícia onde um
aluno do Sergipe perdeu na Justiça uma ação contra um professor que lhe tomou o
celular na sala de aula, algo comum nas escolas, segundo a vereadora. “No país
que virou as costas para a Educação e que faz apologia ao hedonismo
inconsequente, através de tantos expedientes alienantes, reverencio o
verdadeiro herói nacional, que enfrenta todas as intempéries para exercer seu
‘múnus’ com altivez de caráter e senso sacerdotal: o professor”, citou ela ao
discurso do juiz Elieser Siqueira de Souza, responsável pela decisão.
Em
seguida, Aida apresentou pesquisas recentes que colocam o Brasil como o 1º no
mundo no ranking de violência contra professores. 44% dos docentes disseram ter
sofrido algum tipo de agressão, sendo que 12,5% se disseram vítimas de agressão
verbal ou intimidação pelos alunos ao menos uma vez por semana. “É necessário
que toda sociedade se mobilize para mudar esta situação. (...) Nesta audiência
damos o start pela mobilização para estancar estes índices absurdos e
inaceitáveis. O professor merece o nosso respeito”, afirmou a presidente da
Câmara.
Comunidade
apoia ações que resgatem o respeito ao professor
O
primeiro cidadão a se manifestar foi o vice-presidente do bairro Centenário,
Élvio da Silva, que argumenta que tal panorama acontece pela falta de
autoridade dos pais para com seus filhos. “Se não tem isso em casa, como vai
ter diante da escola, com os professores. Quem sofre com isso não são só os
professores, mas toda a sociedade”, disse.
Diretora
da EMEB Isabel Rossetto, a professora Alexsandra Schlemper defendeu a
necessidade da concepção de um regimento atuante a ser seguido pelas unidades
de ensino em relação ao comportamento dos estudantes perante os educadores.
“Precisamos abrir uma discussão aprofundada para que tenhamos nas escolas um
amparo suficiente para que os regimentos aconteçam de forma efetiva. O ‘faz,
acontece, e não dá nada’, não está dando nada além dos resultados que temos
visto com a violência contra o professor”, argumentou.
Membro
da Associação Amar Vidas, Nixon Airton de Oliveira ressalta que as escolas
precisam se abrir à comunidade, para iniciativas que aproximem os pais do
ambiente escolar e de seus filhos. Segundo ele, durante a realização do Projeto
Vento nas Escolas, diversas crianças e pais diziam que queriam se matar, que
estavam no jogo da Baleia Azul, tristes, sem perspectivas. “Hoje estes mesmos
pais estão fazendo artesanato, se ocupando, podem ganhar dinheiro com isso.
Algo precisa ser feito, precisa começar por esta Casa, por mim, por cada
pessoa, mas precisa começar”, apontou Nixon.
Já
o professor Aldemir Costa Pereira concordou com a fala da professora Alexsandra
de que o município precisa de normas, de um regimento padrão a ser seguido já a
partir de 2018, que ouça as demandas dos gestores e educadores. “Lages está no
primeiro lugar no ranking contra mulher. Será que estes agressores de hoje não
eram os alunos do passado que agrediam professores, física ou verbalmente?
Precisamos de políticas públicas que comecem a mudança a partir de nossa
consciência. Algo que nunca podemos deixar de prezar nas escolas é da nossa
disciplina”, assegurou.
Professora
e gestora Justina Inez Varela concorda com a criação de uma comissão envolvendo
professores educadores, vereadores, sindicatos, etc, que resguardem a
integridade dos professores. “Anseio por uma valorização do professor, não só
enquanto seu salário, mas do ser humano professor, já que por suas mãos passam
todos nós”.
Ações
conjuntas da sociedade podem mudar esta realidade
“A
sociedade está doente”, foi o termo reiteradamente repetido pela secretária
municipal da Educação, Valdirene da Silva Vieira. Ela afirma que a violência
quase inexiste na educação infantil, mas que pelo contato com uma sociedade
violenta, as crianças acabam corrompidas. Segundo a secretária, o que acontece
é uma terceirização da infância dos lares para as escolas. “Esta criança não
tem o contato afetuoso com sua família, e sabemos que a criança necessita desta
relação de afeto. Se ela não tem a referência da família, que afeto vai dar ao
outro”, indaga Valdirene, que ressalta que a sociedade como um todo deve
contribuir para a educação de uma nova geração mais ética e respeitosa.
Para
o gerente regional de Educação, Humberto Aloizio de Oliveira, a criança é só um
reflexo daquilo que os adultos vivem e reproduzem. “Os pais estão sem tempo,
perdidos em relação à educação”. Para ele, a infantilização da culpa denota a
falta de preparo dos adultos em lidar com a criança do século XXI. A solução,
segundo o gerente, passa pelos bons exemplos do passado, como a insistência em
educar, em uma norma, uma disciplina de respeitar os mais velhos e o professor.
Oliveira
também acredita que nenhum segmento isolado vai solucionar esta questão, para
ele, são necessárias articulações em rede. “Algumas escolas que conseguiram pôr
em prática oficinas, cursos, palestras para os pais, professores e alunos
participando nos seus núcleos de estudo, avançaram muito na redução dos índices
de violência”, citou Oliveira, que destacou o exemplo da escola Pinto Sombra,
que mudou todo um panorama daquela realidade após uma morte entre alunos, e que
hoje apresenta um dos menores índices a partir do apoio de todos.
“Não
há educação de qualidade e formação do cidadão se houver a quebra da disciplina
e da autoridade do professor. Disciplina e autoridade que começa em casa, no
berço familiar, sem respeito aos professores não há escola que funcione, que
honre com sua finalidade”, defendeu a presidente do Simproel, Elaine Moraes.
Ela ressalta que diálogo e tolerância são indissociáveis para alcançar este
objetivo, além de união da classe para evitar a abertura daquilo que considera
desnecessário como processos administrativos, boletins de ocorrência e a
judicialização de pequenos problemas.
Presidente
da Associação dos Auxiliares em Administração Escolar na Região Serrana, Sonia
Carnevalli falou que o professor precisa de muito cuidado e carinho para lidar
com as situações que enfrenta em sala de aula. Ela citou dados do Questionário
Prova Brasil 2015, do qual quase metade dos professores ouvidos em Lages disse
ter sofrido alguma espécie de violência.
Presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Educação, Reno Vicente Athayde argumentou que a
sociedade realmente se encontra em crise quando torna natural a imagem de
crianças algemadas ou quando se utiliza mais violência para conter a violência,
o que considera a instalação de um estado de barbárie. “Me preocupa quando o
tom da maioria dos discursos se preocupa em punir e não incluir. Temos que
pensar que sociedade estamos construindo”. Sobre os professores, ampliou a gama
das violências contra eles, ao citar a precarização das escolas, a existência
de classes distintas (efetivos/ACT’s), quando não se abre o diálogo ou se
impõem políticas que fragilizam o trabalho educacional.
Com
quase 50 anos de serviços prestados ao município na formação cidadã de pais,
futuros pais e educadores, a Escola de Pais do Brasil, representado pela
presidente Wilma Koerich, também se fez presente na discussão. Uma vez na
semana, acontecem encontros onde se discute, orienta e concluem-se temas como
os desafios da educação, o papel de pais e mães nesta construção, do nascimento
à puberdade, à adolescência e à sexualidade. “Sempre estivemos ao lado de cada
secretária de educação, oferecendo nossos serviços. Não só crianças devem ser
educadas, mas seus pais também. Não vamos desanimar, vamos trabalhar juntos e
vencer esta batalha”, comenta.
O desfecho da noite foi do historiador, mestre e
especialista em bullying, Érico Paes de Campos diz que aquilo que o professor
enfrenta é um reflexo da “geração de cristal”, com crianças mimadas e
extremadas, que exigem uma recompensa para fazer até o que é mais básico. “A
gente precisa discutir isso com a sociedade de modo geral, orientar os jovens
sobre as responsabilidades de seus atos, da elaboração de regras claras nos
regimentos internos, ‘o que vai acontecer se...’, a gente precisa saber disso e
que isso seja efetuado. A gente precisa de atividades que promovam canais que
criem uma rede, porque na educação ninguém trabalha sozinho”, aponta.
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