A experiência da assistente social Ana Maria Coelho passa dos 41 anos, todos dedicados à Justiça catarinense. Quase quatro décadas na comarca de Lages, na Serra Catarinense, onde começou na década de 80, aos 22 anos de idade. A história da Ana Maria se confunde com a da profissão no Poder Judiciário de Santa Catarina. Antes do concurso que a admitiu, junto com outras nove assistentes sociais, o Tribunal de Justiça contava com apenas duas profissionais. O último sábado, 15 de maio, foi dedicado a celebrar a profissão, exercida por 170 assistentes sociais forenses, além de outros 34 já aposentados.
Quem presta concurso público atualmente sofre ao responder às provas, mas na época da Ana Maria essa avaliação tinha uma pitada a mais de nervosismo e ansiedade porque era feita aos olhos do juiz, promotor de justiça e advogados. Sim, todos sentados à mesma mesa enquanto a candidata à vaga colocava no papel aquilo que sabia sobre a profissão. "Me lembro que naquele dia meu pai teve problemas de saúde durante a manhã e à tarde eu fiz a prova. Não foi fácil". A experiência adquirida durante o estágio não remunerado que fez em Curitiba a ajudou bastante nessa hora. Foram dois anos aprendendo na prática as atividades de um assistente social no mundo jurídico.
O concurso foi em janeiro de 1980. Dois dias depois do teste soube da aprovação e em cinco meses assumiu como a primeira assistente social da comarca de Lages. Na cidade, além dela, havia apenas outras duas colegas do Serviço Social, uma profissão nova e ainda desconhecida por muitos. Esse foi um dos principais desafios de Ana Maria: dizer e mostrar a que veio. Aos poucos e com muita luta ela conseguiu.
A fila de pessoas para serem atendidas só aumentava e com os mais variados tipos de necessidades. Lembra que muitas mães deixavam seus filhos para adoção e ela os levava para sua casa por não haver abrigos ou casas de acolhimento que recebessem aquelas crianças. Um dia, uma dessas mulheres foi até o Fórum para deixar um bebê. Na conversa, Ana Maria pediu a ela que voltasse no outro dia. Então, saiu. "Para minha surpresa, abandonou o filho num banco perto do Fórum. Lembro a cor da roupinha, usava um macacão vermelho. O peguei e vi que tinha algo errado. Abri a roupa e a criança estava enrolada com faixas. Fui tirando, tirando e ao chegar no corpinho vi que estava tomada pela sarna". Era Ana quem custeava tudo, inclusive consultas médicas e tratamentos como o deste menino.
O amor trouxe a cura e mais uma filha
Em 1995, Ana Maria estava casada e tinha quatro filhos, o caçula com 11 anos. Esse foi o ano que mudou a vida da família e marcou a carreira profissional por ter um dos processos mais difíceis de adoção, marcado pelo sofrimento, angústia e revolta com o preconceito de tanta gente.
Nessa época, os casos de Aids não tinham tratamento como hoje. A falta de informação aterrorizava ainda mais a população. Um dia, uma mãe portadora do vírus entregou a filha para adoção. Ana Maria foi quem recebeu. O pai da criança também tinha a doença. A criança teve sua chance com casais do cadastro, mas foi rejeitada por mais de cinco pretendentes. A assistente social a levou ao médico que sempre atendeu seus filhos, e os dos outros que eram acolhidos por ela, para saber mais sobre o vírus e o futuro do bebê. "Eu tinha medo que ninguém a quisesse por conta da doença. O médico disse que era preciso monitorar com exames frequentes para avaliar a evolução, mas que se até perto de um e ano meio não apresentasse nada, estaria salva. O que mais me chamou a atenção foi quando disse que o remédio para cura seria o amor".
Na época, o magistrado queria mandá-la para uma instituição recém-criada em Florianópolis, que acolhia crianças nesta situação. Depois de ficar com a bebê por 10 dias em casa, ela e a família tomaram uma decisão. "Muitos me chamaram de louca por adotar a filha de portadores do vírus da Aids, que transmitiria a doença para todos de casa, enfim. Questionavam por quê uma família branca queria uma criança preta". Com olhos cheios d'água e coração transbordando de alegria, Ana Maria conta que o amor salvou aquela menina e a tornou saudável. "Ela é uma bênção na minha vida". Orgulhosa, faz questão de contar que sua filha seguiu seus passos. "Ela fez outra graduação, mas foi no Serviço Social que se sentiu feliz e realizada".
Ana Maria também passou por situações delicadas. Ela e a família foram ameaçados e tiveram a casa apedrejada por uma mulher que perdeu a guarda do filho e tinha deficiência mental. Por sete meses teve que ser acompanhada por oficiais de justiça para ir e voltar ao trabalho.
Contribuição profissional
A frente do seu tempo, Ana Maria participou do grupo que fundou a Associação do Servidores do Judiciário. Era a única mulher que percorria as comarcas do Estado com outros colegas em busca do atendimento de reivindicações. "Nossas viagens eram num Fiat 147. Andamos em muita estrada de chão que hoje é asfaltada. Ficávamos em hotéis que pareciam aqueles de faroeste. Era sofrido, mas o desejo de representar os colegas era maior", recorda.
Por muitos anos, Ana Maria era a única assistente social forense e atendia demandas de cerca de 10 municípios da região. Ela também acompanhou a chegada de outros profissionais da cidade e ajudou a todos que passaram pelo Fórum Nereu Ramos. Ainda participou de reuniões de outros órgãos públicos para criação de políticas públicas na área.
Quanto a se aposentar, ela diz que ainda não pensa. "Sempre que o assunto me vem à cabeça, penso nas amigas com as quais trabalho e tenho dificuldade em deixá-las, pelo afeto e amizade que nos une. Além disso, sou apaixonada pelo que faço. Às vezes, deito na cama e percebo que ela é pequena para tanta gente que levo com seus problemas. Mas isso não é uma queixa, pelo contrário, mostra que aquela chama da profissão ainda está acesa e me motiva todos os dias".
Taina Borges – NCI/TJSC – Serra e Meio-Oeste
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