Cerveró confessa que pagou
campanha de Lula com contrato superfaturado da Petrobras
Conforme
Revista Veja o ex-diretor da Petrobras está prestes a assinar acordo de
delação premiada, no qual conta que os contratos foram direcionados à
construtora Schahin com o propósito de saldar dívidas da campanha
presidencial petista em 2006
Nestor Cerveró: o ex-presidente da Petrobras José Sérgio Gabrielli o
incumbiu pessoalmente de cuidar dos problemas de caixa que o PT
enfrentava depois da eleição de Lula para o segundo mandato.
No início de 2007, a Petrobras experimentava uma inédita onda de
prosperidade estimulada pelas reservas recém-descobertas do pré-sal. O
segundo mandato de Lula estava no começo. Com a economia aquecida e o
consumo em alta, a ordem era investir. A área internacional da
companhia, sob o comando do diretor Nestor Cerveró, aportou bilhões de
dólares na compra de navios-sonda que preparariam a Petrobras para a
busca do ouro negro em águas profundas. Em março daquele ano, uma
operação chamou atenção pela ousadia. Sem discussão prévia com os
técnicos e sem licitação, a estatal comprou uma sonda sul-coreana por
616 milhões de dólares. E, ainda mais suspeito, escolheu a desconhecida
construtora Schahin para operá-la, pagando mais 1,6 bilhão de dólares
pelo serviço. Um negócio espetacular - apenas para a empresa que vendeu
a sonda e para a construtora, que tinha escassa expertise no ramo. A
Lava-Jato descobriu que, como todos os contratos, esse também não ficou
imune ao pagamento de propina a diretores e políticos. O escândalo,
entretanto, vai muito mais além.
Em delação premiada, o operador Julio Camargo, que representava a
Samsung na transação do navio-sonda Vitória 10 000, confessou
ter pago 25 milhões de dólares em propinas a diretores e
intermediários, incluindo aí o próprio Cerveró. Com o esquema em torno
da sonda revelado, faltava descobrir o papel da Schahin na operação. E
é exatamente Nestor Cerveró, preso em Curitiba e agora negociando a sua
delação premiada, quem revela a parte até aqui desconhecida da
história. Em um dos capítulos do acordo que está prestes a assinar com
o Ministério Público, o ex-diretor da área internacional conta que os
contratos de compra e operação da sonda Vitória 10 000 foram
direcionados à construtora Schahin com o propósito de saldar dívidas da
campanha presidencial de Lula, em 2006. E, por envolver o caixa direto
da reeleição do petista, a jogada foi coordenada diretamente pela alta
cúpula da Petrobras.
Nos primeiros relatos em busca do acordo, Cerveró contou que o PT
terminou 2006 com uma dívida de campanha de 60 milhões de reais com o
Banco Schahin, pertencente ao mesmo grupo que administrava a
construtora. Sem condições de quitar o débito pelas vias tradicionais,
o partido usou os contratos da diretoria internacional para pagar a
dívida da campanha. Então presidente da estatal, José Sérgio Gabrielli
incumbiu pessoalmente Cerveró do caso. O ex-diretor recebeu ordens
claras para direcionar o contrato bilionário da sonda à Schahin. Uma
vez contratada pela Petrobras, a empreiteira descontou a dívida do PT
da propina devida aos corruptos do petrolão. Para garantir o silêncio
sobre o arranjo, a Schahin também pagou propina aos dirigentes da
Petrobras envolvidos na transação. Os repasses foram acertados pelo
executivo Fernando Schahin, filho do fundador do grupo, Milton Schahin,
e um dos dirigentes da Schahin Petróleo e Gás. Fernando usou uma conta
no banco suíço Julius Baer para transferir a propina destinada aos
dirigentes da estatal para o banco Cramer, também na Suíça. O dinheiro
chegou a Cerveró e aos gerentes da área Internacional Eduardo Musa e
Carlos Roberto Martins, igualmente citados como beneficiários dos
subornos.
Além de amortizar as dívidas da campanha de 2006, o contrato da
sonda Vitória
10 000 serviu
para encerrar outro assunto nebuloso envolvendo empréstimos do Banco
Schahin e o PT. A história remonta ao assassinato do prefeito petista
Celso Daniel, em Santo André, em 2002. Durante o julgamento do
mensalão, ao pressentir que seria condenado à prisão pelo Supremo
Tribunal Federal, Marcos Valério, o operador do esquema, tentou fechar
um acordo de delação premiada com o Ministério Público. Em depoimento
na Procuradoria-Geral da República, ele narrou a história que agora
pode se confirmar no petrolão. Segundo Valério, o PT usou a Petrobras
para pagar suborno a um empresário que ameaçava envolver Lula, Gilberto
Carvalho e o mensaleiro preso José Dirceu na trama que resultou no
assassinato de Celso Daniel.
Valério contou aos procuradores que se recusou a fazer a operação e que
coube ao pecuarista José Carlos Bumlai, amigo pessoal de Lula, socorrer
a cúpula petista. Segundo ele, Bumlai contraiu um empréstimo de 6
milhões de reais no Banco Schahin para comprar o silêncio do
chantagista. Depois, usou sua influência na Petrobras para conseguir os
contratos da sonda para a construtora. O próprio Milton Schahin admitiu
ter emprestado 12 milhões de reais ao amigo de Lula. "O Bumlai
pegou, sim, um empréstimo, como tantas outras pessoas. Mas eu não sou
obrigado a saber para que o dinheiro foi usado", disse
recentemente à revista Piauí.
Eivada de irregularidades, a contratação da Schahin tornou-se alvo de
investigação da própria Petrobras. A auditoria da estatal concluiu que
a escolha da Schahin se deu sem "processo competitivo" e
ocorreu a partir de índices operacionais de desempenho artificialmente
inflados para justificar a contratação. Os prejuízos causados pela
transação em torno da Vitória
10 000 foram
classificados pelos técnicos como "problemas políticos", que
deveriam ser resolvidos pela cúpula da estatal. Não fosse pela
Lava-Jato, a trama que envolve a campanha de Lula e os contratos na
Petrobras permaneceria oculta nos orçamentos cifrados da estatal. A
Schahin, que vira seu faturamento saltar de 133 milhões de dólares para
395 milhões de dólares durante os oito anos de governo Lula, seguiria
faturando sem ser importunada.
O cerco, porém, está se fechando. Os números das contas usadas no
pagamento de propinas no exterior e até detalhes das viagens de
Fernando Schahin à Suíça já foram entregues pelos ex-dirigentes da
Petrobras aos procuradores. Apesar dos claros sinais de fraude no
processo, o ex-presidente da estatal José Sérgio Gabrielli defendeu a
compra da sonda ao depor como testemunha de defesa de Cerveró na
Justiça. Procurados, os advogados de Cerveró disseram que não poderiam
se pronunciar sobre o andamento do acordo de delação com o Ministério
Público. Os demais citados negaram envolvimento no caso. Ao falar da
ordem para beneficiar a Schahin, Cerveró reproduziu a frase que teria
ouvido de Gabrielli: "Veio um pedido do homem lá de cima. A sonda
tem de ficar com a Schahin". E assim foi feito. Cerveró ainda não
revelou quem era o tal "homem".
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